Clichê e previsível, Devil May Cry entrega exatamente o que os fãs esperam: trocação honesta
Primeira temporada do anime está disponível na íntegra com exclusividade via Netflix
A série animada de Devil May Cry, que estreou na Netflix na última quinta-feira (03), chegou como um presente ensanguentado para os fãs da franquia da Capcom — um pacote de ação desenfreada, violência estilizada e aquele charme debochado que Dante carrega desde 2001.
Sob o comando de Adi Shankar, o mesmo cérebro por trás de Castlevania, a adaptação promete e entrega exatamente o que o título sugere: uma “trocação honesta” que não reinventa a roda, mas acerta em cheio no que os amantes do caçador de demônios esperam — mesmo que, no caminho, tropece em seus próprios clichês, conveniências narrativas e transições técnicas desajeitadas.
A história do anime nos apresenta um Dante mais jovem e explora quase suas origens como caçador de demônios, pois ele possui bastante experiência de luta e consciência do que há ao seu redor.
Na trama, após o filho de Sparda se tornar alvo de uma organização paramilitar que profetiza o fim do mundo, ele precisa sobreviver a todo custo, mas sem deixar de lado as ameaças do submundo que se tornam cada vez mais implacáveis.

Assim, ao lado de poucos aliados, Dante deve reescrever a história da humanidade, à medida que compreende seus poderes, seu passado e seu papel em um mundo onde os planos de uma entidade conhecida como Coelho Branco ganham mais força.
Ao todo, a primeira temporada de Devil May Cry possui oito episódios, cada um com cerca de 30 minutos de duração. E se você estiver esperando que acaba aqui, o final deixa uma brecha mais do que evidente de que haverá uma continuação.
Lutas violentas e coreografias dignas
Se há algo que Devil May Cry da Netflix faz com maestria, é traduzir a visceralidade dos combates dos games para a tela. As lutas são o elemento mais marcante dos games, e aqui elas não decepcionam. Desde os primeiros embates, Dante gira as pistolas enquanto corta demônios com sua espada — tudo sem perder sua característica debochada, mas ainda imatura.
Todos os combates, sem exceção, são verdadeiros banhos de sangue. Espectadores podem esperar muita violência gráfica, com mutilações, decapitações, desmembramentos e mais, porém sem necessariamente ser algo apelativo — mas sim que agrega.
A Netflix também trabalhou com excelência nas coreografias. Há muitas referências aos combos dos games, com muitos malabarismos feitos por Dante, falas sarcásticas e estilo. Porém, especialmente na segunda metade, transições de 2D para o 3D podem incomodar.

Outro ponto fica por duas mudanças em relação ao conceito dos jogos: atmosférica e propositiva. Por ser quase uma prequela do cânone da Capcom, Devil May Cry não é tão sombrio, escuro e infernal. Trata-se de uma ação urbana e movimentada, onde a cidade também se destaca como personagem, mesmo que coadjuvante ou, até mesmo, figurante.
E se você estava aguardando por isso: sim, a trilha sonora conversa muito bem com a ação. Todos os combates são quase uma dança, onde o som, característica primordial dos games, dita o ritmo da batalha no início, meio e fim.
Um abraço aos fãs de Devil May Cry, mas com ressalvas
A série é um playground de easter eggs e referências que certamente aquecerão o coração dos fãs. Além de Cavaliere e Agni & Rudra, temos Vergil, o irmão de Dante, aparecendo por meio de referências e menções, assim como invocado pela belíssima e inesquecível música “Bury The Light”.
O design de Lady está mais militar e menos sexy, como ocorre nos games, mas sua bazuca Kalina Ann está lá. A personagem também chama a atenção por ser protagonista no anime, com um belíssimo e convincente desenvolvimento.
Os trejeitos de Dante (o amor por pizza, as provocações constantes) são tirados diretamente dos jogos, criando uma ponte nostálgica entre os formatos. Há vários momentos em que ele usa uma frase que foi retirada dos jogos: “Jackpot!”, dita com o mesmo tom sarcástico que Reuben Langdon imortalizou.
Mas nem tudo é perfeito. Por vezes, as referências parecem jogadas na tela sem contexto, como se fossem caixas de checagem em uma lista. A aparição de certos elementos, em especial de muitas frases de efeito, soa forçada, sendo até previsível a quase todo instante.

E por falar em previsibilidade, Devil May Cry tem uma história que, de fato, não convence. Tudo bem que isso nunca foi o ponto mais alto, mas no anime fica evidente a crise criativa da indústria, que aposta na trama e nos fatos mais genéricos possíveis.
O mesmo pode ser dito sobre os plot twists. As reviravoltas, sejam as menores ou as maiores, são “spoiladas” da forma menos sutil possível — os personagens sempre acabam falando demais e quebram o suspense com frases enigmáticas, mas muito óbvias.
Felizmente, no geral há um bom ritmo e um bom equilíbrio, O “blá blá blá” científico e as teorias da conspiração se limitam muito ao primeiro episódio, que parece subestimar a inteligente das pessoas e, principalmente, dos fãs.
Mas a Netflix não demora a encontrar seu caminho ao propor cenas eletrizantes e finais de episódios que te estimulam a maratonar. O segundo, por exemplo, é pancadaria do início ao fim. Tudo funciona de forma agradável e divertida, bem como de maneira natural.
Altos compensam muito mais que os pontos baixos
Objetivamente falando, Devil May Cry conta uma história original que não desaponta os fãs que esperavam algo mais canônico. Tudo isso ganha contornos elogiáveis, especialmente, pela ótima química de Dante e Lady e pelo excelente antagonista.
Com seus altos e baixos e ainda se entendendo, Dante e Lady não são jogados um para o outro. Fatores naturais e forçados os levam a se encontrar e seus destinos são selados logo no primeiro momento, onde eles devem se enfrentar.
Essa intriga se alonga por uns bons episódios, mas não passa a sensação daquele casal sem graça que espera a hora de dar o primeiro beijo. A relação entre eles é motivada por diversos fatores individuais e cada personagem lida com tudo da forma que for mais conveniente.
O mesmo pode ser falado sobre o Coelho Branco, novo vilão de Devil May Cry. Suas motivações são críveis, enquanto sua personalidade transita entre o psicopata e o justiceiro. Esse molho, então, cria algo muito brutal, com ares muito semelhantes aos do Coringa, de Batman.

O ápice do vilão ocorre no sexto episódio, onde sua história é apresentada de forma quase silenciosa. Esse capítulo é belíssimo, emocionante e com uma montagem absurda, inserindo estilos artísticos diferentes e uma pegada muito mais emocional.
A conexão com o passado do Coelho Branco ocorre logo nos primeiros minutos. E caso você não acredite nisso, sugerimos que assista ao episódio e venha nos contar depois. Excelente.
Mas caso você esteja esperando Ebony & Ivory, Rebellion, Nevan, Beowulf, Dr. Faust e outras armas importantes da franquia de jogos, esse ainda não é o momento. Bom, Agni & Rudra são bem maneiras, mas outros equipamentos devem aparecer apenas no futuro.
Também não há ritmo de jogo: bloqueadores de arenas, orbes de atualização, referências aos ranques de estilo… nada disso. Mas se você quiser escutar uma história de Raccoon City ou ver o bobblehead de Mega Man, esse é o lugar.
Clichê, sim, mas com alma
No fim das contas, o anime da Netflix é exatamente o que os fãs podem esperar: clichê e previsível, mas uma carta sincera. Uma temporada de estreia curta, mas competente e que talvez fique apenas um pouco atrás do outro projeto de Adi Shankar: Castlevania (mas em termos de animação e fluidez).
Agradável, fácil de maratonar e com muitas referências, Devil May Cry dá um banho na série de 2007. Vemos um caçador de demônios sendo quem nasceu para ser: um homem de vida simples, mas intensa, e que ainda luta para entender seu papel no mundo.
Para quem cresceu enfrentando demônios com Dante, é um retorno bem-vindo ao seu universo. Para os novatos, é uma introdução divertida, mas superficial. Não é revolucionário, mas, diabos, é Devil May Cry. E isso, para muitos, já basta.