Especiais

Cabeças, bruxaria e Diablo IV: um mergulho na história e na ciência

Inspirada em fatos históricos, Temporada da Bruxaria resgata elementos culturais, para muitos, perturbadores

por André Custodio
Cabeças, bruxaria e Diablo IV: um mergulho na história e na ciência

O lançamento da sétima temporada de Diablo IV, intitulada Temporada da Bruxaria, revelou um misterioso cruzamento entre mitologia, história humana e ficção interativa.

A narrativa, centrada na caça às cabeças fugitivas decepadas da Árvore dos Lamentos e no domínio de poderes místicos pelas Bruxas de Hawezar, mergulha em temas que ressoam com práticas reais de “caça às cabeças” e crenças sobre bruxaria ao longo da história.

Mas o que há por trás dessas ideias? Nosso texto explora as raízes históricas e os fundamentos científicos que conectam esses elementos à experiência virtual de Diablo IV, oferecendo um olhar mais profundo sobre sua inspiração.

Caçar cabeças: um ritual com raízes antropológicas

A prática de “caçar cabeças” vai além da mera fantasia. Diversas culturas ao redor do mundo — como os Jivaro da Amazônia, os Dayak de Bornéu e as tribos da Melanésia — adotaram rituais de decapitação com propósitos espirituais e sociais.

Para os Jivaro, por exemplo, as cabeças dos inimigos eram transformadas em tsantsas (cabeças reduzidas), num processo que, segundo a crença, capturava a alma do adversário e transferia seu poder ao caçador.

Estudos antropológicos, como os de Michael Harner (1972), revelam que esses rituais integravam uma cosmovisão animista, onde o controle sobre o espírito era essencial para a harmonia da comunidade.

tsantsas jivaro
Fonte: Reprodução

Em Diablo IV, a caça às cabeças dos Putrefantes reflete essa lógica: as cabeças roubadas da Árvore dos Lamentos são fontes de poder e corrupção, e os jogadores devem recuperá-las para restabelecer o equilíbrio.

A ciência reforça que tais práticas tinham fundamento em crenças sobre a energia espiritual contida em objetos materiais — como uma cabeça —, uma ideia que se reflete nas mecânicas do jogo e na tensão entre destruição e redenção.

Entre o mito e a perseguição histórica

A bruxaria, outro eixo central da temporada de Diablo IV, carrega uma história densa e multifacetada. Na Europa medieval e moderna (séculos XV a XVIII), a “caça às bruxas” levou à execução de dezenas de milhares de pessoas — em sua maioria mulheres — acusadas de pactos demoníacos e feitiçaria.

Historiadores como Brian Levack estimam entre 40.000 e 60.000 mortes nesse período, muitas vezes por queima ou enforcamento, após confissões arrancadas sob tortura. Estudos psicológicos e sociológicos modernos, como os de Norman Cohn em Europe’s Inner Demons (1975), interpretam esse fenômeno como um reflexo de histeria coletiva, misoginia e crises socioeconômicas.

witch hunt
Fonte: Reprodução

No universo de Diablo IV, as Bruxas de Hawezar transformam essas acusações em realidade palpável, manipulando sombras e doenças como instrumentos de poder legítimo. Essa releitura subverte a narrativa histórica, alinhando-se a uma tendência contemporânea de ressignificar a bruxaria — outrora demonizada — como símbolo de resistência e sabedoria.

Antropólogos como Sabina Magliocco, ao estudar movimentos neopagãos, observam paralelos com essa reinvenção, que o jogo explora de forma criativa e provocadora.

A ciência do simbolismo e do controle

Tanto a caça às cabeças quanto a bruxaria convergem em um tema universal: o domínio sobre forças intangíveis. Na psicologia junguiana, a cabeça é um arquétipo de identidade e poder, enquanto rituais mágicos simbolizam tentativas de ordenar o caos.

Para as culturas headhunters, possuir a cabeça de um inimigo era apropriar-se de sua essência; na bruxaria europeia, o uso de restos humanos em supostos feitiços buscava fins semelhantes. Neurocientistas como Antonio Damasio sugerem que essas práticas atendiam a uma necessidade humana de externalizar medos profundos, como a morte, transformando-os em algo controlável.

headhunters
Fonte: Reprodução

Em Diablo IV, esse simbolismo se materializa nas “caçadas às cabeças” e nos poderes místicos desbloqueados pelos jogadores. A coleta de Podridão Inquieta e a criação de Gemas Ocultas para amplificar habilidades funcionam como metáforas interativas dessa busca ancestral por controle, conectando a jogabilidade a raízes históricas e psicológicas.

Um reflexo da humanidade em Diablo IV

A Temporada da Bruxaria não se limita ao entretenimento: ela convida à reflexão sobre nosso passado. A caça às cabeças e a bruxaria, adornadas com um véu sobrenatural, têm fundamentos em práticas reais documentadas pela antropologia e decifradas pela ciência.

Ao perseguir os Putrefantes e canalizar os poderes das bruxas, os jogadores de Diablo IV participam de uma narrativa que, embora fantástica, espelha a jornada humana — uma busca por poder, significado e redenção em meio ao caos.

Enquanto atravessamos os pântanos de Hawezar, vale lembrar que essas ideias não surgiram do nada. São ecos de um passado em que o místico e o real se entrelaçavam, agora reimaginados para nos desafiar tanto na tela quanto no pensamento.

Diablo IV transforma história em imersão, provando que mesmo em mundos fictícios, as sombras da humanidade permanecem vivas.

O que você vem achando da nova temporada do ARPG da Blizzard? Comente!