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Bloodborne: a história do começo ao fim (com spoilers)

Obra-prima do PS4, Bloodborne tem história complexa, mas que destaca a genialidade de Miyazaki ao misturar subgêneros do terror

por André Custodio
Bloodborne: a história do começo ao fim (com spoilers)

No coração de uma cidade amaldiçoada, onde o cheiro de sangue e podridão impregnam o ar, Bloodborne nos convida a explorar um dos mundos mais fascinantes e enigmáticos da história dos videogames.

Desenvolvido sob a visão de Hidetaka Miyazaki, o jogo é uma obra que combina horror gótico, mitologia cósmica e uma narrativa fragmentada que exige do jogador não apenas habilidade, mas também curiosidade e dedicação para decifrar seus segredos.

Esta é a história de Bloodborne — não apenas do que é contado, mas do que se esconde nas sombras de Yharnam.

Um contrato selado em sangue

A jornada começa com você, um forasteiro sem nome, atraído à antiga cidade de Yharnam por rumores de um milagre: o “sangue ministrado”, uma substância dita capaz de curar qualquer enfermidade.

A promessa é sussurrada em tavernas distantes, carregada pelo vento até os confins do mundo conhecido. Ao chegar, você encontra uma metrópole em ruínas, suas torres góticas esfarelando sob o peso de uma maldição palpável.

Um homem encapuzado, com olhos fundos e voz trêmula, oferece a transfusão — “Apenas feche os olhos e deixe o sangue fazer o resto”. Você assina um contrato, um pedaço de pergaminho manchado, e o mundo escurece.

Bloodborne
Fonte: Reprodução

Quando seus olhos se abrem, o pesadelo já começou. Lobos grotescos rondam a clínica onde você desperta, suas garras arranhando as tábuas do chão. O ar fede a ferro e morte. Ao escapar, você descobre que caiu na Noite de Caça, um ritual macabro onde os habitantes de Yharnam, transformados em bestas pela praga do sangue, são perseguidos por caçadores implacáveis.

Mensageiros — criaturas diminutas e esquálidas — emergem do chão, entregando-lhe uma arma e um destino: “Cace as bestas. Acabe com a noite.” Mas por trás dessa ordem simples jaz uma história muito mais antiga, entranhada nas pedras de Yharnam como o sangue nas veias de um cadáver.

O legado dos pthumerianos

Para entender Yharnam, é preciso descer ao Labirinto do Cálice, os túmulos subterrâneos que guardam os segredos de uma civilização esquecida: os pthumerianos. Esse povo ancestral, de pele pálida e olhos fundos, habitava as profundezas muito antes de Yharnam erguer suas catedrais.

Servos dos Grandes Seres, os pthumerianos descobriram o Velho Sangue em altares profanos, uma substância viscosa e escura que pulsava com vida própria. Eles o usaram para se aproximar de seus mestres cósmicos, mas o preço foi alto.

A Rainha Yharnam, soberana dos pthumerianos, carregou um filho dos Grandes Seres — Mergo, uma criança que nunca viveu plenamente, mas cujo choro ecoa nos Pesadelos até hoje.

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Fonte: Reprodução

Os túmulos, cheios de armadilhas e guardiões como o Guardião do Velho Sangue e os Cães do Túmulo, são um testemunho da decadência do povo ancestral. Quando a civilização colapsou, o Velho Sangue permaneceu, esperando para ser encontrado.

Séculos depois, os estudiosos de Byrgenwerth, uma academia isolada em meio a florestas úmidas, tropeçaram nessas ruínas. Liderados pelo Mestre Willem, um homem de olhar penetrante e mente brilhante, eles desenterraram o sangue e os ecos dos Grandes Seres.

Willem viu neles a chave para a ascensão da humanidade, mas sua obsessão era temperada por medo. “Tema o Velho Sangue”, ele alertava, convencido de que o uso direto da substância traria ruína.

A ascensão da Igreja: o sangue como salvação

Nem todos em Byrgenwerth compartilhavam a cautela de Willem. Laurence, seu discípulo mais carismático, acreditava que o Velho Sangue deveria ser abraçado, não temido. Após uma ruptura irreconciliável, Laurence abandonou a academia e fundou a Igreja da Cura na nascente cidade de Yharnam.

Com ele vieram outros dissidentes, como Micolash e Damian, que mais tarde seguiriam seus próprios caminhos sombrios. A Igreja transformou o sangue em um evangelho: catedrais foram erguidas, como a Grande Catedral, e o “sangue ministrado” tornou-se um sacramento. Doentes e desesperados lotavam as ruas, clamando por uma gota da cura divina.

Por um tempo, funcionou. Yharnam prosperou como nunca, suas ruas pavimentadas com ouro e seus cidadãos fortalecidos pelo sangue. Mas os primeiros sinais da praga logo emergiram. Homens e mulheres começaram a mudar — cabelos cresciam em tufos selvagens, unhas tornavam-se garras, e suas mentes afundavam em instinto puro. A Igreja, em vez de recuar, dobrou sua aposta.

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Fonte: Reprodução

Criaram os caçadores, uma ordem liderada por Gehrman, o Primeiro Caçador, um artesão habilidoso que forjava armas como a Lâmina do Enterro e treinava guerreiros para abater as bestas em segredo.

A Noite de Caça nasceu como uma solução temporária, mas logo se tornou um ciclo interminável. Os caçadores, como Ludwig, o Santo Espadachim, e os Corvos de Cainhurst, eram venerados como heróis, mas também temidos. Ludwig, com sua espada reluzente, liderou exércitos contra as bestas, enquanto os Corvos, uma facção renegada ligada à nobreza de Cainhurst, caçavam com precisão letal.

No entanto, o sangue que corria nas veias de Yharnam não podia mais ser contido.

Velha Yharnam e o fogo que não purificou

A praga eventualmente engoliu Velha Yharnam, o coração original da cidade. Quando os cidadãos se transformaram em massa, a Igreja tomou uma decisão drástica: queimar tudo. Caçadores foram enviados com tochas e pólvora, enquanto os sinos da catedral soavam um réquiem fúnebre.

Djura, um caçador veterano, testemunhou o massacre e se voltou contra seus mestres, jurando proteger as bestas sobreviventes — para ele, ainda humanas em sua essência. Hoje, Velha Yharnam é uma ruína carbonizada, patrulhada por Djura e sua metralhadora, um lembrete do custo da arrogância da Igreja.

Enquanto Velha Yharnam ardia, a Igreja mudava seu foco para experimentos mais sombrios. O Coro, uma facção elitista, buscava comunhão direta com os Grandes Seres, como Ebrietas, encontrada nas profundezas do Labirinto e trazida à Catedral Superior.

Eles injetavam sangue celestial em cobaias, criando monstros como os Cérebros Vivos. Já a Escola de Mensis, liderada por Micolash, mergulhava em rituais profanos em Yahar’gul, a Vila Invisível, tentando invocar Mergo e romper o véu entre os mundos.

O sonho e o pesadelo

A morte na Noite de Caça não é o fim. Após sua primeira queda, você desperta no Sonho do Caçador, um oásis de calma em meio ao caos. Ali, Gehrman, agora um ancião curvado, murmura conselhos crípticos, enquanto a Boneca, uma figura melancólica de porcelana, oferece apoio.

O Sonho é sustentado pela Presença da Lua, um Grande Ser que aprisionou Gehrman após sua ascensão como Primeiro Caçador. Ele criou a Boneca à imagem de Lady Maria, uma aluna querida que abandonou a caça após os horrores de Cainhurst, mas o gesto só aprofundou sua solidão.

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Fonte: FromSoftware

Os Pesadelos, por outro lado, são reflexos distorcidos da realidade. O Pesadelo da Fronteira abriga Ludwig, agora uma besta deformada, e ecos de caçadores perdidos. O Pesadelo de Mensis, acessado por Micolash, é um labirinto de torres quebradas e olhos vigilantes, onde o cérebro de Mensis — uma abominação viva — mantém os rituais da Escola.

A Rainha Yharnam aparece nesses planos, acorrentada e chorando por Mergo, cuja Ama de Leite, uma entidade grotesca, protege seu choro eterno.

Os Grandes Seres: arquitetos do caos

Os Grandes Seres são o cerne do horror de Bloodborne. Ebrietas, com seus tentáculos e aura de tristeza, foi abandonada por seus iguais, mas ainda concede visões ao Coro. Amygdala, com seus olhos que tudo veem, vigia os limites da sanidade.

Rom, a Aranha Vacuosa, é um caso à parte: transformada por Willem para selar os Pesadelos, ela é uma barreira frágil contra a verdade. Quando você a mata no Lago da Lua, o céu se rasga, revelando as Amygdalas e o terror que Willem tentou esconder.

A Presença da Lua, no entanto, é o verdadeiro titereiro. Ela guia os caçadores, sussurrando através do Sonho, e usa a Noite de Caça como um palco para seus desígnios. O Filho de Oedon, um Grande Ser invisível que impregnou a Rainha Yharnam e outras, como Arianna de Cathedral Ward, representa o poder intangível desses deuses.

Cada Grande Ser é um fragmento de um cosmos indiferente, onde a humanidade é apenas um experimento falho.

Cainhurst e os Vilebloods: o sangue proibido

Fora de Yharnam, o Castelo de Cainhurst abriga outra faceta da história. Os Vilebloods, uma linhagem nobre liderada pela Rainha Annalise, rejeitaram o sangue da Igreja e buscaram sua própria fonte profana. Isso atraiu a ira da Igreja, que enviou os Executores, liderados por Martyr Logarius, para destruir Cainhurst.

Logarius selou Annalise em um trono eterno, mas seu sangue corrupto sobrevive, oferecido aos caçadores que juram lealdade aos Vilebloods. Lady Maria, ligada a Cainhurst por nascimento, abandonou essa herança para se juntar a Gehrman, mas seu passado a perseguiu até o Pesadelo.

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Os três destinos em Bloodborne

No clímax, Gehrman oferece uma escolha: submeta-se e desperte, ou lute e reivindique o Sonho. Aceitá-lo o liberta, mas Yharnam permanece amaldiçoada. Derrotá-lo o coloca como novo guardião, um ciclo sem fim sob a Presença da Lua.

Mas com três cordões umbilicais — de Mergo, Arianna e Impostora Iosefka — você enfrenta a Presença diretamente. Sua vitória o transforma em um Grande Ser infantil, um novo deus nascido do sangue e da loucura.

Bloodborne é uma sinfonia de tragédia e mistério. De Byrgenwerth ao Labirinto, de Cainhurst aos Pesadelos, cada detalhe — um item como o Olho de um Caçador Bêbado ou o diálogo de Eileen, a Corvo — constrói um mundo vivo e assombrado.

Yharnam não é apenas uma cidade; é um espelho da humanidade, refletindo o que acontece quando buscamos o divino sem compreender o abismo. A Noite de Caça pode terminar, mas o sangue nunca seca.