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Mighty No. 9: Vale a pena?

por Hugo Bastos
Mighty No. 9: Vale a pena?

Carregar o manto de “sucessor espiritual” de Mega Man não era uma tarefa fácil para Mighty no. 9 desde o momento em que foi oficialmente anunciado, na PAX (Penny Arcade Expo) de 2013. Havia, contudo, fé de que a desenvolvedora Comcept teria êxito em seu trabalho. Especialmente porque Keiji Inafune, considerado o pai do robô azul e da franquia, era o responsável pela equipe.

Essa tarefa acabou se mostrando um fardo mais pesado que a empresa poderia suportar. O resultado final é um produto que está longe de ser um diferencial. De alguma forma, no entanto, entre algumas boas intenções executadas, o game resgata um certo sentimento de nostalgia.

O jogador controla Beck, a unidade no. 9 de uma série de robôs conhecidos como Mighty Numbers, criados pelo Dr. White. Ele precisa salvar o mundo depois que um vírus infectou os anteriores, bem como as outras máquinas ao redor do planeta. Beck conta ainda com a ajuda de Call, a robô assistente, Dr. Sanda (Criador de Call e um dos desenvolvedores da tecnologia Xel – pronuncia-se Cel) e Dr. Blackwell, o criador da tecnologia Xel. Parece familiar de alguma forma? Nada original, convenhamos.

Aliás, tudo no jogo foi feito como referência a obra principal da vida de Inafune. A estrutura do jogo. A fase inicial. As oito fases não-lineares com um chefe ao final, cada um vulnerável a um poder específico de outro. A fase final dividida em estágios. A dificuldade exagerada dos primeiros jogos, feita para matar você. Tudo está lá. E talvez esse seja exatamente o problema: há Mega Man demais em Mighty n. 9.

E é justamente onde o jogo mais peca. Ele não tenta ser uma experiência inovadora, absorvendo aquilo que fez Mega Man ser um sucesso tão marcante, e incorporando em novas ideias, afim de conceber algo original, mas ainda sim saudosista.

Na ânsia de fornecer um misto de experiência atual infuso com sentimentos dos anos 90, tornou-se genérico. Sem algo que pudesse diferencia-lo ou faze-lo se sobressair a tantos outros jogos de plataforma existentes nos dias atuais.

A JOGABILIDADE

Quando se fala em Mega Man, fica-se propenso a trazer de volta os momentos felizes de caçar armaduras e power-ups, ou acessar uma certa loja onde o jogador poderia trocar parafusos ou outros colecionáveis dispersos pelas fases do mundo em upgrades para suas habilidades. Não devem se animar: Mighty n. 9 traz, de fato, a jogabilidade crua e difícil dos primeiros jogos da Capcom. Aqueles sem cápsulas para armazenar energia, sem o Mega Blaster (tiro carregado), sem upgrades permanentes, etc.

As mudanças são sentidas logo de início. Beck pode usar a manobra Impulso no chão e no ar, e é usada para atravessar obstáculos. Não pode deslizar pelas paredes, mas pode agarrar-se nas bordas e, dessa forma, alcançar lugares mais altos e evitar cair em armadilhas e buracos. Os power-ups e itens diversos foram substituídos por melhorias temporárias nas habilidades de Beck, que o jogador consegue ao absorver Xel dos inimigos.

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Quanto mais rápido absorver Xel, maior será a taxa de absorção. Demore muito e ela cairá a 0%

Para jogos de plataforma, é imperioso que haja precisão dos controles, a resposta imediata aos comandos do jogador. De outro modo, toda a experiência será apenas uma montanha-russa de frustração e raiva. Infelizmente, esse é o primeiro ponto negativo do game. Há um atraso de cerca de meio segundo entre o inserir de um comando (andar, atirar, pular), e a resposta do jogo. O que é algo quase insignificante.

Quase.

Você calcula aquele pulo preciso, sabendo que precisa alcançar aquela plataforma móvel acima de uma armadilha de morte instantânea. Você executa o movimento no que pensa ser o tempo certo, mas não é: você cai para sua morte. Você calcula descer a uma distância segura das paredes que podem te matar, mas não é o suficiente (mesmo percebendo nitidamente que Beck sequer está próximo das armadilhas). Ou então você impulsiona-se pelo ar, já sabendo onde vai cair e que vai atirar no inimigo assim que tocar o chão, mas calcula novamente errado, anda demais, e cai em um buraco sem fim. E tais situações são muito mais corriqueiras do que se imagina.

Fase 01
Você provavelmente morreu aqui…

O mapeamento dos botões não ajuda. Ele é personalizável, mas Beck não tem acesso aos poderes de imediato. O jogador deve selecionar o poder e então ativa-lo com o botão específico (triângulo, na configuração original). Soma-se isso ao atraso nos comandos e certas batalhas se tornam um apertar frenético de botões. Com tanta “inspiração” de Mega Man, essa funcionalidade faz falta.

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Vencer este chefe com uma troca de armas constante será um exercício intenso de coordenação motora e paciência

O design das fases é outro revés. É certo que, desde o início, o jogo foi taxado de “tão difícil quanto os primeiros”. Só que o que se percebe chega a ser injusto, para não dizer trapaça pura e simples. Armadilhas de morte instantânea posicionadas em lugares e momentos inadequados (não para deixar a jogabilidade mais desafiadora, mas para intencionalmente matar o jogador), quedas constantes de framerate, que tornam as travessias das fases ainda mais complicada, a inteligência artificial desleal dos inimigos, entre tantos outros. A lista é vasta.

Há ainda a incoerência constante em certas situações dentro do game. Por exemplo: Beck tem bônus específicos em cada estágio para conquistar (sprinter, great clear, etc) e os requerimentos para estes bônus não são informados pelo jogo. Ou seja: até que o jogador tenha uma noção básica de qual ação fornece determinado bônus, vai ficar perdido.

O mesmo não ocorre com outras informações. Existe uma área detalhando cada aspecto do jogo, desde os poderes dos inimigos até o que faz o Impulso. E vai além: um dos desafios mais interessantes na franquia Mega Man era exatamente tentar descobrir qual habilidade de um determinado chefe era efetiva contra outro. Aqui, Mighty no. 9 quase grita na sua cara qual poder deve usar.

Não apenas isso. O jogo é sobre conseguir pontos. Quanto mais pontos conseguir, melhor será sua classificação. Dessa forma, a melhor maneira de conseguir pontos é destruir tudo o que está no seu caminho, absorvendo Xel dos inimigos o mais rápido possível, para conseguir combos cada vez maiores (se o jogador não absorver 100% do Xel do inimigo, o combo é interrompido).

Só que não é possível obter todos os bônus específicos que precisa para destravar certas conquistas dessa forma. Então, o jogador é compelido a atravessar as fases o mais rápido possível, para conseguir as melhores recompensas e desbloquear as conquistas e troféus. Mas se o fizer, vai ter que repetir a mesma fase novamente por diversas vezes para conseguir outros.

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Problemas com framerates e atraso nos comandos fazem partes como essa um desafio bastante desproporcional

Além disso, não há um balanceamento nas lutas contra chefes. Eles são ridiculamente fáceis, ao usar a arma contra qual eles são fracos. Mas também podem ser irritantemente difíceis ao se usar somente a arma principal, com ataques previsíveis mais quase impossíveis de se desviar. Vencê-los se resume a uma questão de tentativa e erro. Uma tarefa árdua, repetitiva e cansativa.

Boss 1

E sobre a dificuldade exagerada, há de se considerar a diferença do que é desafiador e do que é difícil simplesmente para estender a vida útil do jogo. Em games como Dark Souls, Rogue Legacy, Velocity Ultra/2x, se o jogador não consegue cumprir determinado objetivo, ele sabe que o fracasso é culpa exclusivamente dele. Então, ele tenta novamente, e de novo, adotando estratégias diferentes. Até que, em um dado momento, aquele dito desafio é superado, e o jogador é inundado com um sentimento de dever cumprido e satisfação.

O mesmo não acontece aqui: dificilmente esse tipo de sensação será vivenciada, dando lugar apenas a um misto de frustração extrema, alívio temporário, e mais frustração. O ciclo só termina quando o console é desligado, para recomeçar novamente na próxima vez, por causa pela dificuldade “trapaceira” e controles imprecisos.

O DESIGN E ARTE

Aproveitando o assunto do design do jogo, não é necessário muito tempo para perceber que quase tudo foi feito no melhor estilo “copiar-colar”. Como foi dito antes, há muito Mega Man em Mighty no. 9, o que acabou fazendo com que o game perdesse sua identidade. Algo que pudesse destaca-lo em um mercado cheio de clones genéricos.

Qualquer um que já tenha jogado um ou mais títulos da franquia original vai perceber uma estranha (e incômoda) familiaridade com as fases. E não é para menos: todas, até mesmo as últimas, foram baseadas em algum estágio de um Mega Man anterior. Não apenas isso: após jogar algumas fases diferentes, o jogador perceberá que, em sua maior parte, tudo o que muda é o cenário de fundo e a roupagem dos inimigos.

Fase similar
A similaridade das fases com jogos anteriores é visível…

A história também não fica atrás, apesar de não ser de toda ruim. Uma sucessão de clichês, com reviravoltas um tanto interessantes no fim, mas que não surpreendem tanto. Além disso, comentários desnecessários dos personagens de suporte em momentos extremamente inoportunos frustram sobremaneira os jogadores.

Todo jogo precisa de personagens cativantes e um visual de impacto para marcar o jogador. Essa é, por certo, uma das principais críticas a Mighty no. 9. A arte é simples e genérica, com gráficos que tentam emular um 2.5D, mas que falham em algum lugar no caminho. Mesmo para um jogo multiplataforma, não se pode deixar de pensar em como teria sido melhor se o game fosse desenvolvido em 2D puro ou ainda em arte pixelada, como Rogue Legacy.

Os personagens do jogo são insossos, com uma aparência estranha e sem vida. Como se fossem recortes de papel ou massa de modelar, que mudam as expressões faciais apenas para emular algum tipo de sentimento.

E a direção de dublagem não se assemelha a nada com o Soul Sacrifice, outro jogo da Comcept, que obteve notas muito boas dada a sua qualidade. Com vozes completamente desconexas dos personagens (menção honrosa para o primeiro Mighty Number, que de fato é o que mais se destaca).

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Os personagens parecem bonecas feitas de massa de modelar, e a dublagem não ajuda a mascarar esse problema

A trilha sonora é repetitiva e cansativa. Há a opção de jogar com uma trilha sonora retrô, que transforma todas as músicas do jogo em sons 8 bits, tornando, para alguns, algo mais fácil de ser tolerado.

PONTOS POSITIVOS?

Após tantos pontos negativos, alguns jogadores podem se questionar se existe algum motivo, mesmo aquele mais obscuro, para sequer experimentar esse jogo. Sim, eles existem.

O jogo é uma união desorganizada de boas ideias. Isso é um fato inconteste. Mas ele também é viciante. Jogadores hardcore vão se sentir em casa com o elevado nível de dificuldade, algo que muitos fãs vão perceber já no início. As músicas são repetitivas. Por vezes, abaixar o volume e colocar um som ambiente pode parecer a melhor saída. Mas os jogadores ainda vão se pegar cantarolando trechos sem perceber.

Há ainda uma extensa lista de conquistas. Estes vão desde aqueles mais simples, como terminar o jogo no modo normal, a aqueles absurdamente complicados, como terminar uma fase sem tocar no chão por mais de um segundo. Há ainda os desafios solo, para saciar a sede dos mais masoquistas.

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Para aqueles que gostam de esgotar tudo o que o jogo tem a oferecer, este é um prato cheio

O jogo ainda oferece modos multiplayer competitivo e cooperativo, que intentam aumentar a longevidade do game. Apesar de serem completamente dispensáveis e não agregarem valor, jogar contra um amigo pode ser divertido, e rende alguns bons momentos.

CONCLUINDO…

Mighty no. 9 não é o jogo que foi prometido há três anos. Nem de longe é o jogo que gamers do mundo todo ansiavam. Os sucessivos atrasos, alguns injustificáveis, mancharam a imagem da Comcept e colocaram em xeque o futuro de um jogo que tinha todo potencial para ser uma nova franquia e, assim, de fato, ser o sucessor espiritual digno de uma das maiores sagas dos videogames.

Apesar disso, ele tem seu mérito. Tudo no game é executado de forma pobre. Mas os jogadores são compelidos a voltar, e a terminar aquela fase, a completar aquele desafio, a ganhar mais aquele troféu. É quase como perder constantemente um duelo contra uma criança de 10 anos. Você não se dá por satisfeito até mostrar a aquele pequeno pentelho que ali é o seu lugar, não o dele.

Tela
Admita: essa imagem traz ótimas lembranças…

Jogadores mais novos provavelmente o dispensarão. Mas aqueles mais masoquistas, mais velhos e que cresceram sendo moldados por games como os primeiros Contra, Battletoads e tantos outros que ainda assombram a infância de muita gente, se sentirão à vontade.

O jogo tenta trazer de volta a sensação de dificuldade que permeia os anos 90, de uma forma desastrada e sem polidez. Mas ainda assim, que faz lembrar, quando todas as ideias se encaixam com perfeição (momentos estes raros), os bons anos dourados dos jogos de plataforma.

Em resumo: Mighty no. 9 é como ganhar meias ou um suéter no natal. Não é o que você quer, não é o que você precisa. Você detestou. Mas depois de um certo tempo (e muita força de vontade), acaba se acostumando.

4 - Selo de Bronze

*O jogo foi cedido pela Deep Silver para avaliação

Hugo Bastos
Hugo Bastos
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Jogando agora: Nada no momento.
Hugo Bastos e revisor do Meu PS4, apreciador de uma boa comida, e de platinas difíceis. E viciado em Rogue Legacy, OlliOlli2, Dead Cells, e não dispensa uma boa noite de jogatina.