Hellblade: Senua’s Sacrifice: Vale a pena?
Game da Ninja Theory traz experiência envolvente.
Hellblade: Senua’s Sacrifice é a mais nova aposta da Ninja Theory. Com uma proposta deveras ousada. O principal chamariz do game foi a qualidade gráfica impressionante, mostrada pela primeira vez durante a Gamescom de 2014.
A protagonista de Hellblade é Senua, uma guerreira celta cuja aldeia foi completamente destruída por invasores nórdicos, os vikings. Senua não é uma heroína tradicional – ela sofre de psicose severa, um transtorno mental que provoca uma série de alucinações, principalmente auditivas.
Pessoas com essas condições têm dificuldades para compreender a diferença entre o que é real e o que é fruto das alucinações. A realidade de Senua é diferente da sua. Ela não interage com o mundo como você.
O grande diferencial de Hellblade é, portanto, usar a psicose não somente como uma ferramenta da narrativa do game, mas também como um elemento de gameplay. Esses aspectos fazem com que a aventura de Senua seja uma experiência muito diferente das que você já encontrou em qualquer outro jogo.
Esta não é uma mera jornada de herói.
Gameplay fundido à narrativa com maestria
Hellblade chegou mesmo para “causar”. Há quanto tempo não vemos um jogo sem HUD, ou qualquer indicador na tela, incluindo o “status de vida” do personagem, tutoriais ou sinalizações de botões para realizar QTEs? O game dispensa todos esses elementos proporcionando uma experiência mais crua, com uma tela limpa.
Essa ausência de sinalização também faz com o que o jogador enxergue o mundo exatamente como Senua.
Outra característica (interessante) de Hellblade é a possibilidade de o jogador perder todo o progresso caso morra muitas vezes. Esse detalhe não é só mais um elemento diferencial do gameplay, mas que também agrega à narrativa. A cada falha, Senua é corrompida pela “escuridão”, como é chamada a sua psicose no game.
Hellblade também incorpora o estado mental da protagonista ao gameplay em outro aspecto: os vários puzzles que são encontrados ao longo do jogo. A maioria dos enigmas envolve a busca por runas escondidas para abrir portas, símbolos que formam figuras, portais que revelam uma realidade diferente…
Desta forma, Hellblade incorpora a forma única de Senua ver o mundo – encontrando padrões e formas escondidos em meio à realidade – para avançar em sua jornada. O problema é que esses quebra-cabeças acabam se tornando um tanto repetitivos e até cansativos ao longo do jogo. Especialmente com o aumento de sua complexidade.
Uma adaga no escuro
O combate é todo focado em ler os movimentos dos oponentes. Ele irá dar um golpe rápido? Leve? Forte? Devo bloqueá-lo ou desviar? Tudo isso pede que as respostas sejam rápidas e completamente baseadas em entender o comportamento dos inimigos. Exatamente como acontece em um combate corpo a corpo com espadas.
Movimentos bem acertados, especialmente desvios e bloqueios no tempo exato (em que a ação de apertar um botão depende da observação de pequenos detalhes que vão desde o movimento do oponente até o brilho de uma espada) geram “combos” e permitem que Senua use seu foco “mental”.
Nesses momentos, ela se torna mais destemida, os inimigos se tornam mais lentos e Senua parece entrar em um estado semelhante ao dos berserkers – os famosos guerreiros nórdicos que levavam toda a fúria para o campo de batalha.
Uma experiência multissensorial
Jogos geralmente são focados na interação visual. É simples: olhe o que está na tela e responda, atire, aperte um botão. Em Hellblade as coisas não são exatamente assim.
O sintoma mais conhecido da psicose é a manifestação de alucinações auditivas, que fazem com que Senua seja sempre acompanhada por vozes que ecoam em sua mente. As vozes podem dar dicas para soluções de puzzles e durante o combate, funcionando como uma forte intuição que conecta ainda mais o jogador à protagonista.
As vozes e os sons, em geral, são um elemento muito forte do jogo e, por isso, é quase que obrigatório o uso de fones de ouvido de qualidade para uma experiência mais completa. Em alguns dos momentos mais sombrios de Hellblade, o jogador deve se deixar guiar apenas por seus ouvidos.
Um dos maiores méritos da Ninja Theory com o título foi realmente usar a audição como um elemento imersivo tão forte, não somente para o gameplay, mas para conferir emoção e empatia. Este último sentimento é especialmente relevante quando se trata de um protagonista com um transtorno mental.
Além do som ser uma ferramenta diferencial, os visuais de Hellblade são realmente impecáveis, como prometido tantas vezes nas várias demonstrações do jogo. Além dos belos cenários, o jogo tem uma incrível direção de arte.
Vale destacar que o Hellblade também parece trazer uma das maiores qualidades em questão de realismo e captura de movimentos já vistos nessa geração, uma questão importante em um jogo em que as emoções da protagonista são o foco.
Não é para todo mundo
Um dos criadores de Hellblade foi enfático: o jogo não é para o grande público. Com um foco enorme na narrativa, fica claro que o objetivo da Ninja Theory é entregar uma experiência para quem aprecia uma boa história.
Não vá encarar Hellblade pensando somente em resolver puzzles e matar deuses vikings com uma espada. Esses pontos divertem, certamente, mas são uma pequena parte do que este game tem a oferecer. Entre de cabeça se espera um game que traga uma história envolvente e emocionante.
Um bug imperdoável
Esta análise não poderia ser concluída sem este adendo que tem uma perspectiva muito pessoal da autora. Enquanto jogava Hellblade, experimentei um bug que só pode ser classificado como imperdoável.
O jogo possui autosave em checkpoints específicos. Isso não pode ser desligado ou ser ativado manualmente pelo jogador, pois as mortes são computadas ao longo de toda a campanha e são um elemento chave que podem fazer com que você perca todo o seu progresso e tenha que recomeçar.
Em dos puzzles do jogo (mais precisamente na área de Valraven), caso você acidentalmente retorne a um dos checkpoints, um bug “trava” o enigma, impedindo que Senua avance e passe para a próxima parte do cenário. Basicamente, tive a frustrante experiência de precisar recomeçar o game. Mesmo que meu desempenho não tivesse condenado Senua a ser dominada pela escuridão.
Ou seja, todo o temor de acabar morrendo demais e perdendo todo o meu progresso acabou acontecendo de qualquer forma por causa de um bug do jogo (que já deveria ter sido resolvido em um patch já lançado pela Ninja Theory).
Esse problema não foi exclusivo e existem vários relatos em fóruns desse mesmo bug em outros pontos de Hellblade. Este é um descuido inaceitável, especialmente quando a perda do progresso é um ponto tão pesado e até mesmo relevante para a história do jogo.
A definição de insanidade
Hellblade não é perfeito, mas se destaca pela proposta diferente e ousada. O jogo tem um trabalho artístico impecável, abrangendo todas as esferas de interação do jogador com o game. Hellblade entrega uma experiência visceral e empática, com um game construído de forma simples, porém elegante.
Fica difícil dizer se Hellblade é uma boa representação de um indivíduo com psicose, mas além de seu mérito como peça de entretenimento, o jogo certamente traz uma lição. Pessoas com transtornos mentais precisam ser melhor compreendidas, aceitas, abraçadas. O game mostra com delicadeza que o mundo lá fora é uma realidade diferente para cada um de nós, sejamos “normais” ou alguém com um transtorno mental.