Gran Turismo Sport: vale a pena?
Acelerou ou 'queimou a largada' ?
Naquilo que se propõe a fazer, Gran Turismo Sport é bastante competente. Jogabilidade afinada com várias nuances e detalhes que impactam diretamente nos resultados, trilha sonora empolgante, um belíssimo visual, modo Sport – centrado em competições online -, desafios, com perdão da redundância, realmente desafiadores, suporte ao PlayStation VR e um modo Arcade que entretém.
Entretanto, algumas destas escolhas mostram que a equipe da Polyphony Digital está um pouco dissonante dos desejos dos jogadores, talvez em uma marcha inadequada. A ausência do modo carreira, tão aclamado, pesa bastante, fazendo com que o carro de GT Sport, assim como um modelo de tração traseira em uma curva acentuada, perca um pouco de estabilidade. Some a isso o fato do jogo exigir uma conexão permanente à internet para maioria das opções, e você tem ingredientes suficientes para gerar um pouco de confusão na mente dos jogadores. Afinal, é Gran Turismo ou não?
E esta resposta nos veio após muitas horas de gameplay. É sim um GT, mas com um viés diferente, mais centrado em proporcionar disputas entre corredores conectados à rede, com competições tuteladas pela Federação Internacional de Automobilismo.
E esta mudança, afinal de contas, é boa ou ruim? A resposta nunca dependeu tanto de você, jogador. Você prefere uma experiência mais conservadora – concentrada no single-player – ou outra onde é possível colocar suas habilidades à prova, frente a outros jogadores? Vale destacar que ao contrário de Destiny 2 por exemplo, onde você joga COM outros players, em GT Sport a proposta é CONTRA outros, o que muda radicalmente o panorama.
A ideia desta reflexão imediata certamente não trará uma resposta tão eloquente. Exatamente por isso convidamos você a dirigir conosco por mais esta revisão, feita com muito amor, carinho e dedicação.
Na ponta dos dedos
Você talvez não se lembre ou conheça, mas o Brasil já teve um dos maiores desportistas de todos os tempos (não, não é o Pelé). Ayrton Senna da Silva, o tricampeão de Fórmula 1. Entre tantas vitórias e pole positions, uma é particularmente importante, não pela conquista em si.
Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1 de 1991, última volta, o piloto brasileiro, em um esforço colossal, conduz sua McLaren pelas sinuosas curvas de Interlagos já exaurido de forças. Tempo chuvoso, carro somente com a sexta marcha funcionando e o segundo colocado se aproximando perigosamente. Naquele momento, Galvão Bueno solta a frase: “aí vem Ayrton, na ponta dos dedos”, uma citação que nos ajuda entender um pouco de GT Sport.
Apesar de contar com um modo com este nome e muitos elementos facilitadores, Gran Turismo Sport não é um jogo Arcade. É importante que isto fique claro. E como o narrador enfatizou, é preciso pilotar com cuidado, respeitando os limites de cada carro, suas características, particularidades, tipos de pistas e muitos outros fatores.
Neste quesito, estamos diante de um GT genuíno. É impressionante notar como um modelo é substancialmente diferente de outro, como a força de aceleração importa, como determinados carros não respondem bem a alguns traçados, como a resistência ao ar (vácuo) ajuda ou atrapalha, aerodinâmica, controle de tração, frenagem, esterço, contraesterço, tipos de pneus, consumo vs. desempenho, etc. Controlar um carro e conquistar uma vitória é como um maquinário: é preciso que todas as engrenagens funcionem corretamente.
Os fãs de Need for Speed podem se sentir intimidados com tantos detalhes, mas a magia da proposta é justamente essa. Reger esta orquestra de componentes de modo que todos funcionem em uníssono.
E isso o jogo faz muito bem.
Logo no início do game você pode escolher entre níveis de acessibilidade. Desde ajuda nos freios, controle de tração, tracejado na pista e muito mais. Quando se sentir mais confortável, pode migrar para níveis mais altos, até aquele onde todos seus conhecimento são testados.
E aí que o primeiro impacto desta nova proposta de jogo é escancarada. GT Sport não conta com um modo Carreira tradicional, aquele onde você começa com um carro usado simples, vence as primeiras corridas, melhora alguns pontos, enfrenta novos desafios e vai, passo a passo, construindo um currículo vencedor.
Dessa vez, o que mais se aproxima disso é o que o jogo chama de “Campanha”. São três opções:
- Escola de Pilotagem: Onde você aprende os conceitos básicos de dirigibilidade, explorando um pouco das pistas, tendo contato com as características de cada carro e mais. No total são 48 testes muito bem distribuídos.
- Desafio de Missão: Aqui é onde as coisas começam mesmo a desenrolar. São testes mais avançados que realmente exigem mais dedicação e uso constante dos conhecimentos de pilotagem aprendidos na primeira opção. São 8 estágios com 8 testes cada. Total de 64 ótimas opções.
- Experiência de Circuito: Neste você conhece todos os detalhes dos circuitos. Começando por trechos específicos, passando por várias partes até a experiência completa, que é dar uma volta inteira na pista. Mas não se engane. Não é fácil. Pistas como Nurburgring Nordschleife são muito, mas muito desafiantes. Este modo agrega um total de 105 desafios.
No geral, são 217 testes que variam de fáceis e rápidos até corridas com mais de uma hora de duração. São experiências muito bacanas que, embora não substitua a Carreira, são bem legais.
Destaque para os testes onde você precisa gerenciar o consumo de combustível, ao mesmo tempo em que galga posições superiores. Nestas em particular, o jogo brilha muito. Você precisa saber qual o melhor momento de parar para abastecer, gerenciar o desempenho, escolhendo entre mais potência ou eficiência econômica, aproveitar melhor os momentos onde seu tanque está mais vazio, tentando ampliar ou reduzir as vantagens sobre os adversários.
Cada conquista (bronze, prata ou ouro) rende dinheiro in-game, milhas e experiência. Com dinheiro você melhora seu bólido ou compra outros, as milhas podem ser trocadas por carros especiais que não estão à venda, decalques, capacetes, roupas e outros itens cosméticos.
E meus amigos, conquistar a qualificação Ouro em todos os testes é um desafio provocante. Você precisa ser um profundo conhecedor da pista (pontos de freada, zebras, ondulações, pontos de ultrapassagens, etc) do carro (como retomar aceleração com eficiência, qual tipo de pneu é mais adequado, tipo de tração, etc) e ter uma espécie de feeling. Algo que você só consegue após muitas horas de jogatina.
Horas mesmo. A campanha não é algo trivial ou curto. Vai lhe exigir umas boas horas de dedicação.
O que não impressiona tanto nos testes é a inteligência artificial dos competidores. Em muitos momentos ela age de maneira conservadora, o que contrasta com a ideia de competitividade. Os oponentes às vezes reduzem em locais inapropriados, não desviam do seu carro ou deixam de tomar ações mais proativas.
Em dado momento por exemplo, na ácida pista de Nurburgring, você assume o controle de um veloz Audio R8 e deve conquistar a primeira posição em determinado espaço de tempo. Acontece que o clima está nebuloso, a pista é deveras estreita e os corredores são muito mais lentos. Leve em consideração que as regras não permitem que você toque nos demais carros, colida com muretas ou saia da pista. São muitos fatores que farão você repetir várias vezes o teste.
E já que falamos de clima, adentramos neste quesito. GT Sport não conta com climas dinâmicos. O que pode frustrar aqueles que gostariam de correr em chuvas torrenciais e depois assistir a um belo pôr do sol. Chuvas na verdade, são bem discretas no jogo. No máximo uma garoa paulista. É inegável que ausência destas particularidades pesa em desfavor do título.
Gran Turismo sempre foi bastião de avanços visuais no PlayStation e não se esperaria outra coisa de Sport. Apesar do jogo ser muitíssimo bonito, com carros recriados com extrema fidelidade, efeitos de iluminação bem bacanas e atenção aos detalhes, o título ainda ficou devendo nos ambientes externos a pista. A ambientação ainda parece de papel e sem muita vivacidade.
Outro ponto, sempre referência da franquia, eram as centenas, as vezes milhares, de opções de carros de dezenas de marcas. Particularmente, conheci várias das montadoras e suas subdivisões através da série Gran Turismo. Sempre gostei de futricar nos carros e conhecer um pouco das suas características, potência e história.
Em Sport, existem pouco mais de 160 carros. Apesar de ser um número substancialmente reduzido em relação aos outros da série, todos são incrivelmente detalhados e caprichosamente modelados. É um verdadeiro colírio para os olhos.
Mas existe um ponto de desconforto nisso. A Polyphony Digital optou por facilitar (e muito) o sistema de melhorias dos veículos. Embora conte com ajustes variados (suspensão, distância entre marchas, pneus, altura de suspensão e muito mais), a maneira como é possível incrementar o HP é simplista ao extremo. Basta ir em “Ajuste Rápido” e aumentar o “Nível de Potência” – usando milhas. Nada de comprar filtros de ar, trocar a transmissão ou adquirir um sistema de turbo.
Segundo o produtor, essa facilidade foi desenvolvida como uma resposta aos novos perfis de jogadores. Kazunori disse, em recente entrevista, que os jogadores atuais não se interessam tanto por especificações técnicas de carros.
O que este revisor, humildemente, discorda. Me lembro muito bem como era divertido trocar as peças, fazer ajustes, testar novas suspensões e ver o “HP” subindo conforme novas engrenagens se tornavam disponíveis para compra. Ou talvez eu seja muito saudosista…
Mas, se serve como consolo, os ajustes e configurações ainda são muito importantes em GT Sport. Neste, é possível criar diversas planilhas de configurações para um mesmo carro. Se você gosta muito de um modelo, pode ajustá-lo para diversas situações. Para um traçado mais arisco, com curvas, subidas e decidas, você pode privilegiar a aceleração, reduzindo a relação entre marchas. Já se a pista for de retas mais doces, você pode fazer o contrário, com o objetivo de atingir velocidades finais maiores.
A sonoplastia, por sua vez, está bem interessante. Mesmo que o ronco dos motores possa parecer muito similar para alguns modelos, uma aferição por meio de um headset nos revela que existem sim discrepâncias entre os carros.
Embalando tudo isso, está a trilha sonora de muito bom gosto. São batidas variadas e bem interessantes que animam os menus e auxiliam no envolvimento com as corridas. A playlist agradou bastante e após algumas horas você já estará assoviando algumas das músicas.
Esporte
Desde seu anúncio, lá em 2015, a proposta era de oferecer aos jogadores a opção de disputarem contra outros em competições online com perspectiva de consagração e até de prêmios reais oferecidos pela FIA.
E eis que estamos diante do resultado final.
O modo Esporte é um dos pilares do jogo. Mesmo que não seja a principal opção de jogatina, é a que talvez receba mais destaque. Ele é dividido em quatro partes:
- Corridas Diárias: São eventos de corridas (separados, até o momento, por três opções) onde os jogadores podem entrar em competições que acontecem de tempos em tempos. Os intervalos entre as corridas são curtos e você pode fazer um aquecimento entre uma corrida e outro, até para se familiarizar com o modelo e pista. O legal é que se você fez um excelente tempo de classificação, ele pode ser usado para uma outra corrida em condições similares.
- Taça das Nações: Você seleciona um país para representar e acumula pontos.
- Campeonato de Construtores: Você assina um contrato virtual com uma montadora e a representa nas corridas.
- Campeonato da Polyphony: Similar as duas anteriores, mas neste você deve submeter a algumas pequenas regras.
Excluindo as Corridas Diárias, os demais modos acontecem em dias e horários específicos, dando mesmo uma sensação de “calendário de provas”, onde os jogadores devem seguir as datas e ir melhorando seus tempos de treino. E, no dia esperado, sobra toda aquela tensão de prova e tudo mais.
Se por um lado é bacana, todo este clima, por outro pode não agradar a todos que desejam uma diversão mais imediata.
Mas para estes, existe o Lobby. Onde é possível encontrar salas de corridas ou mesmo criar a sua, com regras próprias.
E no que pese os pontos técnicos, as opções online estão funcionando muito bem, com boas repostas aos comandos, conectividade efetiva, sem problemas de lag ou tratamentos (claro que pode variar de acordo com a conexão do usuário).
São opções divertidas e que devem, ao médio prazo, receber a maior parte da atenção daqueles que optaram ou cogitam comprar o game. Além disso, espera-se que o estúdio esteja planejando a inserção de mais desafios diários e outros eventos.
Em resumo, o modo Esporte parece ser destinado a funcionar com uma forma de serviço, recebendo atualizações e presença constante dos jogadores. É mesmo um modo competitivo. Na verdade, essa é a ideia do jogo.
Arcade
E o terceiro e último modo a ser destacado é o Arcade. Na verdade não há muito o que se falar dele. É uma opção bem mais descompromissada, onde você pode conhecer as pistas, testar algum carro recém-adquirido ou mesmo jogar com os amigos em tela dividida.
O diferencial fica por conta da experiência em Realidade Virtual. Caso você possua um PlayStation VR, pode testar o game nesta opção e, apesar de existir um natural downgrade visual, é absolutamente imersivo e impactante. É realmente como estar dentro de carro, disputando a primeira posição. Atrevo-me a dizer que foi uma das melhores experiências com o VR que já tive. Mas cabe uma ressalva: as corridas são apenas 1×1.
Editor de Padrões & Fotografia
Aqueles que gostam de personalizar carros terão boas opções tanto para exercer sua criatividade, quanto para mostrar para os demais.
Através do Editor de Padrões, é possível criar customizações únicas, mudando cores, aplicando decalques (adesivos) em várias partes dos bólidos. Tudo bem fácil e prático. E assim como nas Planilhas de Configurações, você pode criar diferentes layouts e salvá-los.
Gostou dos resultados? Você pode então usar o brilhante modo Scapes. Nele você carrega um plano de fundo, posiciona o carro, aplica filtros e faz uma captura linda. Pode parecer uma opção “sem sal” , mas na prática é bem divertido.
E por fim, você pode mostrar sua captura para todos através de uma espécie de Área Social, que reúne as capturas e personalizações dos outros jogadores. Já é possível encontrar algumas criações surreais.
Derrapada
No começo do texto, abordei inicialmente, que o estúdio parece desconectado com os jogadores e isso por ser compreendido analisando algumas das escolhas (infelizes) de desenvolvimento. A primeira e principal delas, diz a respeito a exigência de uma conectividade permanente com a internet.
Vimos em outros jogos como Need for Speed (2015) e The Crew (2014) que esta não é, definitivamente, uma opção bem aceita na comunidade.
E GT Sport vai bem além.
Todas as funcionalidades, excluindo-se o Arcade, exigem que o jogador esteja conectado à rede. Inclusive a “Campanha”. Seria compreensível para os modos competitivos, mas sem nenhum sentido para, inclusive, acessar a Garagem. Ou seja, você não consegue ligar-se aos seus carros, fazer configurações, personalizações ou tirar fotos.
Talvez o leitor possa argumentar que “em pleno 2017” não ter uma conexão com à internet seja inadmissível. Mas, e quando, por qualquer motivo que seja, você não estiver conectado? Ou, no pior dos casos, quando houver problemas com os servidores do jogo? E isso aconteceu pelo menos umas duas vezes durante nossos testes.
E, mais uma vez, batendo na tecla da “Carreira”. Sabemos que a ideia de Sport é oferecer competições online, com foco em corridas regimentadas pela FIA, com prêmios e tudo mais. Mas a ausência do modo é um peso bem grande.
Linha de Chegada
Esperava-se mais de GT Sport, talvez sim. Mas dentro da sua moção inicial, o jogo cruzou a linha de chegada, não sem algumas derrapadas. Para alguns, estes deslizes é o limite entre o pódio e uma modesta posição de “meio de tabela”, para outros apenas alguns segundos a menos no grid de largada.
O ponto é que ele oferece uma campanha, que apesar de não ser um modo Carreira, conta com muitos desafios legais, um visual formidável, um modo Arcade divertido, experiência em Realidade Virtual e o Esporte, com competições acirradas que fazem jus ao “Sport”.
Mas, como sempre, depende mais de você jogador. Sabendo da proposta principal do game e de todas as suas características, ele se encaixa naquilo que você acredita necessário para sua diversão?
Veredito
Gran Turismo Sport
Sistema: PlayStation 4
Desenvolvedor: Polyphony Digital
Jogadores: 1
Comprar com DescontoVantagens
- Bons desafios na campanha
- Modo online competente
- Visuais muito bonitos
Desvantagens
- Ausência do modo carreira
- Exige conexão permanente à internet