Persona 5: Vale a pena?
Uma Persona muito grata, diga-se!
Persona, na psicologia analítica de Jung, é a face social que o indivíduo apresenta ao mundo. “Uma espécie de máscara, projetada por um lado, para fazer uma impressão definitiva sobre os outros, e por outro, dissimular a verdadeira natureza do indivíduo“.
Qual é a sua persona? Como você se vende para o mundo? Como é seu castelinho particular no meio da sociedade? Em Persona 5, você é convidado não somente a se imergir em um universo de JRPG e divertir, mas também a pensar um pouco na vida. E isso vem muito bem a calhar.
Mantendo a tradição da série, o jogo se passa em um Japão dos dias atuais (o ano é 20XX), tem uma escola com os adolescentes como principal cenário, dungeons, batalhas em turnos, links interpessoais entre as personagens, desenvolvimento de habilidades e, claro, muitas Personas para o protagonista assumir.
Metáforas e lições
O enredo é relativamente simples, e não tem nada de tão ficção assim: um grupo de estudantes se revolta “contra o sistema” e contra a tirania de algumas autoridades e cria uma “gangue” para lutar contra isso. Da Shujin Academy e da revolta contra um professor que abusa fisicamente dos alunos, nasce o Phantom Thieves of Hearts.
A maneira como a história de Persona 5 se desenrola, porém, é muito diferente do que se vê por aí. A princípio, pode parecer estranho, especialmente para quem não está acostumado ao gênero e à série, como era meu caso. Mas depois de algumas horas insistindo, você pega a manha e sua impressão muda totalmente.
O protagonista é um menino que é transferido para uma escola em Tóquio depois de agredir um homem que agarrava uma mulher à força. Ele é visto com um certo preconceito no começo, mas logo faz amizade com Ryuji Sakamoto, outro que tem fama de ser um garoto-problema na instituição.
E os dois são quem começam a navegar pelo Metaverso, que é o grande diferencial de Persona 5. Ele é um universo paralelo, habitado por Castelos, que representam os desejos internos das pessoas. Ou seja, cada um dos vilões tem o seu palácio, e neles há puzzles e dungeons a serem solucionados.
Esse Metaverso é acessado por meio de um app no celular. A cada vez que uma personagem o ativa, vai para este mundo. Mas, ao mesmo tempo, elas têm suas vidas normais, em Tóquio. É uma dicotomia interessante entre fantasia e realidade, mas onde a fantasia também tem influencias na realidade.
Se você derruba um Castelo e derrota o vilão, ele também sofre este baque na vida real, podendo morrer. Afinal, os palácios são representações daqueles desejos mais íntimos das pessoas – e elas podem não conseguir viver se perderem aquilo pelo qual lutam diariamente. Você rouba os corações delas. Literalmente.
O que faz os Phantom Thieves irem ao Metaverso, normalmente, é algo de ruim que esteja acontecendo no mundo real. Desde a insatisfação política até casos de bullying, abuso físico, problemas sociais e até suicídio. É algo que consegue fazer os jogadores se divertirem com o game, mas também pensarem nisso tudo.
Também é importante falar sobre a Velvet Room, que é comum na série e está de volta em Persona 5. É um local que existe entre a consciência e a subconsciência, onde o Protagonista recebe instruções de Igor, uma espécie de Oráculo que dá ao jogador orientações sobre o que fazer e como evoluir.
“Eu vou incorporar!”
Ito Melodia, intérprete da escola de samba União da Ilha, do Rio de Janeiro, adotou o bordão “Eu vou incorporar” no desfile deste ano. E é com ele que o protagonista, que tem o codenome Joker, pode se identificar na hora de assumir as Personas. É quase isso o que ele faz: incorpora os diferentes estilos de cada uma nas batalhas.
As personagens assumem Personas quando conquistam máscaras que poderão ser desbloqueadas conforme se evolui no jogo. É possível ganhar experiência de diversas formas, tanto no Metaverso, especialmente nas batalhas, como também realizando atividades do dia a dia em Tóquio.
Em Persona 5, você tem uma grande liberdade para fazer diversas tarefas, dentro da escola ou rodando pela cidade, e assim ir construindo relacionamentos com as outras personagens e ganhando experiência. Isso é fundamental para que o Joker fique cada vez mais forte para os grandes desafios.
Só que é preciso ficar ligado no tempo. Afinal, o jogo se passa durante o tempo de um ano ficcional, e você tem cerca de 80 horas de gameplay para encerrá-lo. Nos momentos em que estiver com tempo livre, você precisa decidir bem ao que irá se dedicar para fazê-lo contar o máximo possível.
Mas vamos falar das batalhas, que merecem destaque. Os combates são por turnos, e você pode escolher diversas ações: ataque físico, ficar na guarda, atirar ou utilizar uma Persona. Conforme você vai evoluindo, ganhará mais personas e poderá variar entre elas. Seus adversários são Sombras, guardas dos Castelos.
Nas lutas, você pode derrotá-los turno a turno, usar um golpe especial que causa dano enorme e pode matar todos os inimigos de uma vez ou usar Negociações e conseguir itens, armas e informações deles. Novamente, tudo depende de como você quer abordar cada encontro.
Vencer as batalhas, no entanto, é só uma parte do desafio que é explorar Castelos. Também há puzzles a serem resolvidos, e momentos em que é preciso procurar os detalhes do cenário para solucionar algo. E se derrotar inimigos pode ser bastante interessante para dar mais XP, evitá-los pode garantir menos problemas.
Persona 5 tem um sistema de combate que traz o melhor da série, e a jogabilidade, no geral, agrada bastante. A câmera nem sempre oferece um controle ideal, porém também não chega a atrapalhar o gameplay – o mesmo acontece com a maneira de se movimentar do seu Protagonista, que não é ótima, mas é OK.
Anime digno de TV
O enredo é espetacular, e o visual de Persona 5 não fica atrás. O trabalho da Atlus no game é digno de um Anime daqueles clássicos que estouram na televisão. Não há como criticar a parte gráfica do jogo, nem a sua trilha sonora. É tudo perfeito ao que se propõe, combinando com o estilo do game.
E como a história é bem longa, você se sente mesmo em uma espécie de seriado. Ainda mais que ela é contada dia por dia, passando o calendário, e com diversas cutscenes, tanto no meio da gameplay, com os gráficos tradicionais, como usando também cenas à parte, ainda mais bem trabalhadas. É um anime interativo.
Mas é preciso ter paciência. O jogo é extremamente longo e chega a ser “maçante” em alguns casos. Isso porque há muitos diálogos e muito background para que os jogadores compreendam a complexidade deste universo. O bom é que você pode avançar alguns diálogos – mas corre o risco de perder algo importante.
Vale lembrar também que Persona 5 não tem versão em português – sem legendas ou áudio no nosso idioma. Isso pode ser um ponto negativo para quem não se vira no inglês. Mas para quem entende o idioma, certamente, o trabalho é excelente na dublagem e também nas legendas.
Persona grata
Quando queremos dizer que alguém não é querido, ou não é bem-vindo, usamos “persona non grata”, que vem de uma expressão do latim. Mas o antônimo dela é “persona grata”. Nada melhor para descrever Persona 5 do que isso. Afinal, ele é um game extremamente agradável.
Dando um toque mais pessoal à análise, o JRPG é um estilo de jogo que nunca me agradou muito. Nem Final Fantasy eu joguei/curti muito. Quando fui requisitado para escrever sobre este game para o Meu PS4, tive minhas dúvidas – e o nosso editor, também ficou com um pézinho atrás. Mas fico feliz pela oportunidade e agora “vesti a Persona”.
Porque Persona 5 é uma experiência impressionante e que foi surpreendente para mim. As pessoas que já estão acostumadas com o gênero, certamente, já estão de olho e planejam jogá-lo (ou até já jogaram), então eu não preciso tanto dizer aqui a elas o quanto vale a pena.
Por isso, dedico minhas linhas finais a quem, como eu, nunca se interessou por um JRPG na vida. Testem Persona 5. Saibam que no início, provavelmente, vocês irão achar um porre. Mas vai passar essa sensação, você vai se acostumar e acabará ficando “viciado” nele. É recomendadíssimo – e um dos melhores jogos de 2017.